Hoje assisti a uma palestra com o Dr. Fernando Nobre, presidente da AMI.
Chegou ontem do Mali, mas à hora marcada lá estava ele, sem o mínimo vestígio de cansaço ou desinteresse. À medida que o ia ouvindo apercebia-me da minha pequenez e agradecia por isso mesmo o ter decidido à última da hora entrar. Apercebia-me das vezes que me esqueço de como o mundo é grande e trágico, de como ainda tenho uma redoma que me isola de todas as mortes e dores, de como os danos colaterais são tudo menos laterais, profundos e cegos na sua escolha e devastação.
E ali estava ele, depois de mais uma viagem extensa, intensa, a partilhar sem eufemismos a miséria e perversidade que já presenciou e que não o deixa esquecer. E ali estava ele, médico, professor, homem. Profundamente homem. Inteiro, A perceber que é tão importante estar a falar para duas dezenas de jovens e meia dúzia de adultos como estar no Mali a organizar mais uma maratona de vacinação. A ensinar que os poderosos têm "mais deveres do que direitos" e que foi essa inversão de prioridades que infectou o nosso mundo. O nosso mundo. Difícil adjectivar este espírito de missão. A dedicação e principalmente a crença optimista deste homem, pai de quatro filhos. Que afirmou não ser santo pois "já me divorciei", disse ele, "e nunca a culpa é só de um". Transparente.
Falou da morte de uma criança de oito anos, no Afeganistão, que voltava para casa com dois saquinhos de farinha. Esmagada por um camião no meio de mais uma troca de avisos dos grandes filhos da putrefacção. A criança que ele viu morrer tinha o direito ao devir. E não ficar estraçalhada, o sangue misturado com a farinha, carne morta, finita.
Para quê? Para quê? "Quando começarem a urinar pelas pernas abaixo e o esfíncter já não segurar o saco rectal, as fezes saírem descontroladamente, nessa altura resta apenas um minuto de vida. Não há nada a fazer". Assim, dito assim.
O cirurgião, catedrático, marido, pai, homem, o que não quis ser ministro por ser considerado "politicamente incorrecto", resumiu assim o absurdo desta vida.
Hoje ouvi novamente falar do absurdo da vida, mas não em poemas, filmes, imagens repetidas da informação.
O absurdo da vida e o meu próprio absurdo, por todas as vezes em que me vejo como vítima no meu casulo.
Hoje ouvi um homem nobre e acordei da ingratidão. E percebi como é bom voltar para casa com dois saquinhos, nem que seja de nada.
Chegou ontem do Mali, mas à hora marcada lá estava ele, sem o mínimo vestígio de cansaço ou desinteresse. À medida que o ia ouvindo apercebia-me da minha pequenez e agradecia por isso mesmo o ter decidido à última da hora entrar. Apercebia-me das vezes que me esqueço de como o mundo é grande e trágico, de como ainda tenho uma redoma que me isola de todas as mortes e dores, de como os danos colaterais são tudo menos laterais, profundos e cegos na sua escolha e devastação.
E ali estava ele, depois de mais uma viagem extensa, intensa, a partilhar sem eufemismos a miséria e perversidade que já presenciou e que não o deixa esquecer. E ali estava ele, médico, professor, homem. Profundamente homem. Inteiro, A perceber que é tão importante estar a falar para duas dezenas de jovens e meia dúzia de adultos como estar no Mali a organizar mais uma maratona de vacinação. A ensinar que os poderosos têm "mais deveres do que direitos" e que foi essa inversão de prioridades que infectou o nosso mundo. O nosso mundo. Difícil adjectivar este espírito de missão. A dedicação e principalmente a crença optimista deste homem, pai de quatro filhos. Que afirmou não ser santo pois "já me divorciei", disse ele, "e nunca a culpa é só de um". Transparente.
Falou da morte de uma criança de oito anos, no Afeganistão, que voltava para casa com dois saquinhos de farinha. Esmagada por um camião no meio de mais uma troca de avisos dos grandes filhos da putrefacção. A criança que ele viu morrer tinha o direito ao devir. E não ficar estraçalhada, o sangue misturado com a farinha, carne morta, finita.
Para quê? Para quê? "Quando começarem a urinar pelas pernas abaixo e o esfíncter já não segurar o saco rectal, as fezes saírem descontroladamente, nessa altura resta apenas um minuto de vida. Não há nada a fazer". Assim, dito assim.
O cirurgião, catedrático, marido, pai, homem, o que não quis ser ministro por ser considerado "politicamente incorrecto", resumiu assim o absurdo desta vida.
Hoje ouvi novamente falar do absurdo da vida, mas não em poemas, filmes, imagens repetidas da informação.
O absurdo da vida e o meu próprio absurdo, por todas as vezes em que me vejo como vítima no meu casulo.
Hoje ouvi um homem nobre e acordei da ingratidão. E percebi como é bom voltar para casa com dois saquinhos, nem que seja de nada.
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